sábado, 1 de novembro de 2008

40 anos do Álbum Branco dos Beatles !


1968. O ano das barricadas, do AI-5, do assassinato de Martin Luther King e de muita luta ao redor do mundo, contra e a favor dos direitos civis. O ano em que tantas coisas se definiram e se desnudaram, depois do chamado Verão do Amor (1967), foi também o ano que prenunciou o fim da banda cujos discos guiavam os rumos da juventude.

Intitulado simplesmente The Beatles, mas universalmente conhecido como The White Album (ou Álbum Branco, para os brasileiros), o sucessor do revolucionário Sgt. Pepper‘s Lonely Hearts Club Band, lançado em 22 de novembro de 1968, trazia em si o prenúncio tanto do fim dos Beatles, quanto da era hippie.

O senso de coletividade que caracterizava o ideal hippie levou um duro golpe quando o Álbum Branco saiu, pois foi neste disco que ficou claro que a parceria de John Lennon e Paul McCartney já não funcionava como antes.

Dispersão – A partir do Álbum Branco, seria o individualismo que daria as cartas – tanto entre os Fab Four de Liverpool, quanto na sociedade ocidental. Apesar de ainda assinarem todas as suas faixas como Lennon-McCartney, é fato público que, a partir do Álbum Branco, eles não compunham mais juntos.

O sonho que John Lennon declararia oficialmente morto no final de 1970, durante sua histórica entrevista para o jornalista Jann Wenner (fundador da revista Rolling Stone), já dava sinais de sua precária saúde ao longo do disco.

Já de caso com a artista plástica japonesa Yoko Ono, Lennon começava a procurar se expressar por si próprio, sem o apoio de Paul. Este, por sua vez, sentia profundamente o afastamento do amigo – graças a Ono e às drogas –, e buscava se firmar como líder da banda. George Harrison, que compunha cada vez mais, também queria mais espaço no grupo – e nos discos, para suas composições.

Até Ringo Starr, um notório cuca fresca, andava emburrado naqueles dias, chegando a abandonar a banda no meio das gravações. Por conta disso, a bateria das faixas Back in the U.S.S.R. e Dear Prudence foram gravadas por Paul. Ringo voltaria pouco depois, a pedido dos outros três.

Os quatro também ainda estavam abalados com a morte do empresário e amigo Brian Epstein, morto um ano antes. O selo fundado pelo grupo, o Apple Records, também ia mal das pernas, fazendo-os perder dinheiro.

O resultado de tanta angústia durante as gravações – além do individualismo reinante entre os integrantes – foi um álbum conhecido pela falta de foco e pela multiplicidade de climas, mas que, mesmo assim, não deixa de ser genial. Afinal, são os Beatles.

Há desde o ar pueril de Ob-La-Di Ob-La-Da ao experimentalismo árido de Revolution 9. Desde a paródia de Chuck Berry em Back in the U.S.S.R. ao manifesto zen de George em While My Guitar Gently Weeps (com solo matador de Eric Clapton, não creditado). Desde o hard rock primordial de Helter Skelter à tocante homenagem de John a sua mãe, em Julia. Desde o desabafo sarcástico do mesmo John em Yer Blues ao chamado à responsabilidade feito por Paul em Why Don‘t We Do It in the Road?


Um álbum controvertido e admirado

Na década de 80, o jovem cantor Paquito, então band-leader da banda de rock Flores do Mal, ficou admirado ao chegar em casa certo dia e se deparar, no playground do prédio onde morava, com uma animada roda de garotos por volta dos 12 anos, tocando violão e cantando os hits da fase inicial dos Beatles.

No centro da roda, ao violão, estava um púbere Paulinho Oliveira, músico que, pouco mais de dez anos depois, seria integrante da banda Cascadura, na fase em que esta gravou seu segundo álbum, Entre! (1997).

"Por incrível que pareça, o Álbum Branco foi um dos últimos (discos dos Beatles) que eu descobri. Foi Paquito que me apresentou. Quando eu comecei a ouvir, era muito ligado no óbvio, beatlemania e tal. Aí, quando eu tinha uns 12, 13 anos, ele me deu uma fita com o disco gravado", lembra Paulinho, que, quando ainda integrava o grupo, chegou mesmo a percorrer os bares de Salvador em dupla com Fábio Cascadura, tocando só músicas dos Fab Four.

"Foi um choque, pois era muito diferente. É mais radical que o Sargent Pepper's, até porque tem um desenvolvimento mais tecnológico, pois já foi gravado em oito canais. O Sgt. Pepper's foi gravado em quatro, imagine. O som da bateria é mais próximo ao contemporâneo", opina.

“Há até quem diga que o Álbum Branco são quatro discos solo prensados em um. O próprio George Martin já declarou que preferia que ele tivesse saído como um LP simples, ao invés de duplo. Já vi também uma entrevista de Paul onde ele fica super na defensiva ao falar do disco, que ele não tinha foco e tal“, lembra Paulinho.

Ainda assim, ele, como qualquer fã do grupo, vê o disco como “o último projeto bem-sucedido dos Beatles“. “Com o Yellow Submarine eles quase não tiveram envolvimento. O Get Back ficou na gaveta e só foi retomado pelo (produtor) Phil Spector mais de um ano depois, tornando-se o Let It Be. E o Abbey Road foi um projeto, proposto por George Martin, para fechar a tampa mesmo“, enumera.

Fã da veia melodista de Paul McCartney, ele aponta a faixa Martha My Dear, feita por Macca para sua cachorra, como a sua preferida. “Mas ali não tem nada de Beatles. Já tinha a cara das coisas que ele fez com o Wings, nos anos 70. Da mesma forma, as faixas de George já tinham um jeitão de All Things Must Pass (LP solo triplo, lançado já em 1970). É lindo, mas é triste“, conclui.

Inglês doido – “Eu botei Paulinho no crime. Criei um monstro“, brinca Paquito, dando uma boa risada ao se recordar do episódio da fita, que ele nem lembrava mais.

“Eu gosto de todos os LPs dos Beatles. Acho que cada um é bom à sua maneira. Mas o Branco é importante por que foi onde cada um fez o que estava a fim. Era um disco de Paul e a banda, John e a banda e assim por diante“, observa Paquito.
“Passei a gostar dele à medida que eu fui ouvindo ao longo dos anos, pois é um álbum grande, além de ter sido o último que eu comprei, pois, como era duplo, era mais caro“, conta.

“Então eu fui digerindo ao longo dos anos. Tem desde Mother‘s Nature Son até Revolution 9, que são extremos. Não há uma direção, mas como eram os Beatles, eles tinham esse controle na hora de fazer o álbum. A capa branca é uma oposição ao anterior, que era muito colorida. As canções, você percebe que nasceram acústicas e isoladamente. No Anthology ele está quase todo lá de novo, em versões demo acústicas. O que mantém a unidade é que é um álbum de grupo, no caso, Beatles. Um disco muito à vontade, que nas mãos de outra banda sairia um rock do inglês doido“, analisa.

Para outro estudioso local dos Beatles, o químico Nei Bahia, um antigo parceiro de composição de Fábio Cascadura, a capa branca é como um aviso: “Ela só existe para embalar. Você tem que prestar atenção no que se ouve. O resto é dispersão“, acredita.
Para ele, a faixa mais importante do álbum é Why Don't We Do It on the Road. “Essa é um recado de Paul, que achava que eles só sobreviveriam se voltassem à estrada (já que eles não faziam mais shows desde o Rubber Soul), a ser uma banda de rock“, opina. “Mas as visões são as mais díspares. Tem gente que acha que é sobre drogas“, acrescenta.

Arma quente – Como tudo o que os Beatles faziam, o Álbum Branco ecoou mundo afora, influenciando muita gente. O maníaco Charles Manson disse que se inspirou nas faixas Helter Skelter e Blackbird para justificar o massacre ordenado por ele na mansão do cineasta Roman Polanski, quando sua esposa, a atriz Sharon Tate, foi assassinada aos oito meses de gravidez.
No Brasil, Caetano Veloso lançou, do exílio, seu próprio Álbum Branco, logo no ano seguinte. Com a capa toda branca – levando apenas sua assinatura –, a referência é inevitável.

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